Luanda - Há figuras que nunca abandonam verdadeiramente a História, mesmo quando se tenta apagá-las.
Fonte: Club-k.net
Simon Kimbangu é uma delas. Profeta para uns, rebelde místico para outros, foi sobretudo um dos primeiros rostos de uma África que se recusava a morrer em silêncio. Em 1921, num Congo colonizado onde a opressão se vivia no quotidiano, um homem sem armas nem tribuna, sem mandato político nem apoios ocidentais, ergueu-se numa pequena aldeia do Baixo Congo. Através da sua pregação, reactivou uma antiga promessa bíblica: Deus nunca esquece o seu povo. Essa mensagem, proferida em kikongo, dirigida directamente aos humilhados, aos trabalhadores forçados, às mães exaustas, desencadeou um sismo. Durante alguns meses, Nkamba tornou-se o centro invisível de uma revolução espiritual. Um profeta negro curava, ensinava, consolava, devolvia alento àqueles cuja alma tinha sido esmagada. A colonização belga quis ver nisso uma ameaça, uma insurreição velada. Mandou prender Kimbangu, condenou-o à morte e depois à prisão perpétua. Trinta anos de encarceramento tentariam extinguir a chama que ele acendera. Em vão. Pois, por detrás dos muros de Elisabethville (actual Lubumbashi), o profeta não se quebra: transforma-se em símbolo. E esse símbolo iria alimentar, na sombra, um dos movimentos espirituais mais poderosos e duradouros de África.
O Kimbanguismo não é apenas uma Igreja. É um grito interior, nascido de uma ferida colectiva, transformado em caminho de libertação. É uma forma de afirmar: existimos, pensamos, acreditamos, e recusamos a vergonha que outros quiseram impor-nos. A milhares de quilómetros de Nkamba, nos cafés e nos quartos de estudantes de Paris, outro sobressalto tomava forma na mesma época: o da Négritude, levada por Aimé Césaire, Léopold Sédar Senghor, Léon-Gontran Damas. Também eles procuravam reparar a fractura. Também eles afirmavam que a pele negra, a cultura negra, o imaginário negro são dignos, poderosos, portadores de futuro. Estas duas histórias, a do profeta de Nkamba e a dos poetas de Paris, nunca se cruzaram. E, no entanto, respondem uma à outra. Contam, cada uma à sua maneira, a mesma conquista: a da dignidade.
Esta série percorre esse duplo movimento: a trajectória fulgurante e quebrada de Simon Kimbangu, o nascimento clandestino e depois triunfante de uma Igreja africana, o diálogo silencioso mas profundo entre este cristianismo descolonizado e o pensamento da Négritude, e, por fim, o legado contemporâneo de uma luta que continua a moldar África e a sua diáspora. Não é apenas a história de um profeta. É a história de um povo que, na obscuridade colonial, decidiu manter-se de pé. E talvez seja esta a mais bela forma de entrar neste relato: recordar que todo o renascimento, espiritual, político, cultural, começa com um homem ou uma mulher que ousa dizer não. Ousa dizer sim. Ousa levantar-se. Simon Kimbangu fê-lo. O mundo negro nunca o esqueceu.
Ricardo VitaHeadhunter e observador pan-africanista